Clodomiro Alves "Aquela Campanha de Canudos lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo". Euclides da Cunha
O município de Euclides da Cunha, emancipado em 19.09.1933, dista de Salvador, Capital do Estado da Bahia, 324 km.Está localizado no Nordeste baiano a uma altitude de 472 metros acima do nível do mar e possui área de 2.324.965km² e população estimada de 55.397 habitantes.
Os primeiros habitantes foram os índios caimbés, que se instalaram inicialmente na aldeia de Massacará, transferindo-se posteriormente para outro sitio que mais tarde receberia a denominação de Fazenda Caimbé. Colonos vindos dos municÍpios vizinhos de Monte Santo e Canudos que aqui se fixaram com suas famílias, dedicaram-se a lavoura e a criação de gado. Os padres Jesuítas, em missão de catequese pelo sertão construíram no local da atual vila de Massacará uma capela e um convento. A localidade continuou evoluindo até a emancipação em 19 de setembro de 1933.
O epônimo do Município é o escritor, jornalista e engenheiro militar EUCLIDES RODRIGUES PIMENTA DA CUNHA, consagrado como estudioso dos problemas do Nordeste Brasileiro através de OS SERTÔES (1902), um dos maiores épicos da literatura brasileira e latino –americana. Uma obra contundente, que destruía o sonho brasileiro da república e da civilização branca europeizada. O livro "Os Sertões" nasceu de reportagens sobre a Guerra de Canudos para o jornal "O Estado de São Paulo"realizadas por. Euclides da Cunha em 1897, como enviado de guerra..
Euclides da Cunha nasceu em 20 de janeiro de 1866, na fazenda Saudade, no município de Cantagalo, estado do Rio de Janeiro. Morreu no bairro da Piedade, aos 42 anos, assassinado pelo jovem cabo Dilermando Reis, amante de sua mulher, Ana Maria Cunha, filha do Coronel Sólon Ribeiro, importante personalidade da República. A vida de Euclides da Cunha foi marcada pela tragédia. Órfão de mãe aos 3 anos de idade, foi entregue aos cuidados de vários parentes. Do Rio de Janeiro foi para Salvador e depois para São Paulo. Sua vida era feita de diferentes casas, bairros e afetos entrecortados; sua mente, uma sucessão de múltiplas paisagens. Composições que só ajudariam o geógrafo, o sociólogo e o antropólogo surpreendente que ele se revelaria anos mais tarde. Desde muito cedo Euclides da Cunha foi tido como gênio por seus contemporâneos. Sua mente lúcida impressionava. Apesar do temperamento arredio e turbulento, sempre soube preservar as amizades. Foi amigo de intelectuais e de gente poderosa como o barão do Rio Branco. Mas nunca conheceu o afeto feminino.
O final do século XIX, foi um período de muita agitação nacional. A libertação dos escravos em 1888 fora o golpe fatal na monarquia. No ano seguinte, o golpe militar do dia 15 de novembro, liderado pelo marechal Deodoro da Fonseca, proclamou a República. O novo regime trazia a promessa de uma organização de homens livres e iguais perante a lei. As eleições democráticas dariam a todos o direito político de escolher seus dirigentes, e o trabalho livre traria salários. Eram mudanças radicais, que pareciam acabar com antigos privilégios. Já se esperava um levante monarquista. Mas nunca de um grupo de desvalidos... A guerra de Canudos, em 1986, no Sertão da Bahia, liderada pelo beato Antonio Conselheiro, representou o imprevisto. Foi um dos acontecimentos mais impressionantes e sangrentos de toda a história do Brasil. . Quatro expedições foram enviadas durante um ano contra mais de vinte mil habitantes da região: índios, mulatos, caboclos, pretos sertanejos, liderados pelo beato Antônio Conselheiro e munidos apenas de paus, pedras e armas rústicas. Os soldados traziam metralhadoras, granadas e canhões. Estavam poderosamente armados e eram numericamente muitas vezes superiores aos revoltosos, mas perdiam todas as batalhas. A resistência do sertanejo assombrava o país, e a derrota de Canudos tornou-se para o Exército e para a República uma questão de honra nacional.
A Guerra de Canudos foi um dos maiores genocídios da história do Brasil. Em nome da república foram cometidas atrocidades que sem o livro de Euclides da Cunha jamais seriam reveladas.
Até o início da guerra, as elites do litoral e do sul ignoravam o que fosse o sertão: uma estranha pátria sem dono, abandonada pelas leis e instituições, vivendo sob o jugo da terra e dos latifundiários. Para compreender a revolta era necessário que o sertão viesse à tona, numa nova tradução. Foi essa a grande proeza do jornalista e engenheiro militar Euclides da Cunha, ao publicar seu livro "Os Sertões", em 1902.
Ao tentar compreender a psicologia do sertanejo, Euclides da Cunha fez um ensaio revelador sobre a formação do homem brasileiro. Desmistificou o pensamento vigente entre as elites do período, de que somente os brancos de origem européia eram legítimos representantes da nação. Mostrou que não existe no país raça branca pura, mas uma infinidade de combinações multirraciais. Previu um destino trágico para o Brasil, se o país continuasse a não levar em conta as diversas raças que o formaram. Mostrou que o Brasil tinha contradições e diferenças étnicas e culturais extremas. Concluiu que havia uma necessidade imperiosa de se inventar uma raça. Caso contrário, o Brasil seria candidato a desaparecer.
Euclides da Cunha mostrou que um universo de tal natureza era governado por leis próprias. Demonstrou que a Campanha de Canudos foi absurda, pois a população não era monarquista, como o exército acreditava. Pregar contra a república era apenas uma variante do delírio religioso de Antônio Conselheiro. Uma sociedade tão primitiva era incapaz de compreender tanto a forma republicana como a monarquia constitucional. Só aceitava o império de um chefe sacerdotal ou guerreiro. Conselheiro foi esse chefe sacerdotal. Anos mais tarde, o cangaceiro Lampião seria o chefe guerreiro.
Antônio Vicente Mendes Maciel, Antonio Conselheiro, como se tornou conhecido, nasceu em Quixeramobim, Ceará, em 1830. Descendente de uma família turbulenta, porem calmo e correto, era avesso a confusão. Perdeu a mãe quando era pequeno e jamais matou alguém. Depois de casado, Antônio Vicente saiu de Quixeramobim, tornando-se caixeiro viajante. Sua vida de casado era um inferno, minando aos poucos seu equilíbrio e serenidade. Até que veio o golpe fatal: a mulher fugiu com um policial. Era o ano de 1860 e o alucinado Antônio Vicente, fulminado de vergonha, desapareceu no sertão. Queria o abrigo da absoluta obscuridade. E nesses 10 anos de andanças, deu-se a transformação.
Com um camisão de brim azul, vivia de esmolas e carregava numa mão um livro com a "Missão Abreviada" e na outra "As Horas Marianas". Antônio Conselheiro iniciou sua carreira de andarilho, como beato, e, logo se transformou num condutor de sertanejos que seguia suas profecias, entrava nas cidades rezando terços e ladainhas. Depois pregava, possuído por um furor místico que arrastava multidões.
Com ajuda do povo que o seguia, Antônio Conselheiro construía e restaurava igrejas. Levantava muros de cemitérios. Fundou povoados que se tornaram cidades, como o de Bom Jesus, atual Crisópolis, onde ainda hoje há uma igreja feita por ele. Em Monte Santo, cidade histórica do sertão baiano, Conselheiro e seu povo restauraram os muros da via sacra, formada por um rosário de 24 capelinhas no ano de 1893, quando o beato era o imperador absoluto de todo o sertão, após uma peregrinação de 22 anos por todos os recantos
Antes da seca de 1877, a maior do século XIX, começou a abrir tanques d'água. Em 1874, apareceu na Bahia dando conselhos. Aí tomou definitivamente o nome de Conselheiro. E se firmou. A Igreja, sentindo-se desprestigiada, pediu em 1876 o afastamento do Conselheiro do sertão.
Preso na região de Itapicuru, foi acusado de louco e de matar a própria mãe.
Quando provou sua inocência foi solto e retornou no dia e hora que havia previsto, iniciando-se uma serie de profecias que para o sertanejo era a comprovação de que estava diante de um poder divino: um milagreiro resignado e fatalista que prometia a felicidade para depois do fim do mundo marcado para o ano de 1900.
Perseguidos pelo poder local, Conselheiro e seus seguidores entraram na parte mais deserta da região e, encontraram em: Canudos, "velha fazenda abandonada à beira do rio Vaza-Barris", o seu reduto. Nesta região inóspita e isolada do sertão baiano, protegida pelas serras do Cambaio e Canabrava, e, rodeada pelas cidades de Monte Santo, Cumbe, Rosário, Cocorobó e Uauá, fundaram um arraial: o "Império de Belo Monte",
Canudos cresceu vertiginosamente. Os faveleiros, como eram chamadas as construções simples, de pau-a-pique e barro, porque lembravam a planta sertaneja favela, iam coalhando as montanhas numa rapidez assombrosa: eram construídas até 12 casas por dia, para atender a multidão que chegava.
. Canudos logo se tornou a segunda maior cidade da Bahia, depois de Salvador. A maioria vivia com dificuldades, mas ninguém passava fome. Além das rezadeiras, do sineiro Timotinho, Antônio Conselheiro vivia cercado por 12 apóstolos, todos armados. Jagunços famosos como João Abade ou Pajeú, que na guerra se transformariam em seus capitães.
Em 1894, na Bahia, um deputado chamou a atenção dos poderes públicos para a parte dos sertão "perturbada" por Antônio Conselheiro. Em 1895, uma missão católica tentou convencer Conselheiro a desarmar seu povo. Inutilmente. Mas só em 1896 Canudos passou a preocupar a Capital. Conselheiro queria construir uma nova igreja em Canudos. Comprou a madeira em Juazeiro mas não recebeu o material. Resolveu ir com seu povo buscar o que era seu. O juiz local denunciou o Conselheiro em Salvador. De Salvador, seguiram 100 praças comandados pelo tenente Manuel Pires Ferreira com destino a Juazeiro.. Na noite de 12 de novembro, partiram para Canudos. Não alcançaram seu destino, pois foram surpreendidos na cidade de Uauá, Os soldados tinham mais armas, mas se assombraram com o assalto corajoso dos matutos. Fugiram. O mesmo destino teriam os quinhentos homens do major Febrônio de Brito, que chegaram às portas de Canudos em janeiro de 1897. Vieram arrogantes, com armas vistosas e canhão. Na estrada do Cambaio os jagunços apareceram em trincheiras, num repentino deflagrar de tiros. Gritavam irônicos: - "Avança, fraqueza do governo!" - A expedição caiu, de ponta a ponta. Foram obrigados a recuar.
A terceira expedição contra Canudos foi organizada no Rio de Janeiro. Para comandá-la foi escolhido o coronel Moreira César, um seguidor de Floriano Peixoto que havia esmagado a Revolução Federalista. Levou para Canudos 1.300 soldados, 15 milhões de cartuchos e muita artilharia pesada. Moreira César era temido por sua violência. E tinha sob suas ordens a melhor força do governo. Nessa hora, mesmo os jagunços mais valentes sentiram medo
Moreira César se dirigiu a Canudos pela estrada de Rosário. Passou pelo deserto de Angico e se instalou no Alto do Mário. Lá de cima, ele e os soldados, surpresos, avistaram Canudos.
No dia 2 de março de 1897, dois tiros de canhão foram lançados em cima do vilarejo de Canudos. Em seguida o povoado foi invadido pisoteando crianças e matando os velhos e as mulheres à baioneta, numa luta insana. No dia 3, atingido dois trios morre Moreira Cezar e na manha do dia 4 a tropa bate em retirada com um saldo de 116 soldados mortos e 120 feridos,
Ao comentar a terceira batalha, Euclides da Cunha desfaz a fama de estrategista de Moreira César. O Conselheiro, para o escritor, "foi um grande homem pelo avesso". Sua loucura o transformou num verdadeiro herói popular. A Moreira César, um epiléptico com rompantes suicidas faltou o sopro divino. Levou milhares de soldados ainda adolescentes a se destruir no meio da caatinga.
A derrota de Moreira César provocou uma revolução no Rio de Janeiro. Já não havia mais dúvida de que Conselheiro estava a serviço de forças poderosíssimas, que vinham restabelecer a velha ordem. A quarta batalha já não foi uma guerra, mas uma vingança selvagem. Do Rio de Janeiro chegaram 5 mil homens comandados pelo general Arthur Oscar. Uma parte veio por Monte Santo e a outra, comandada pelo general Savaget, entrou em Canudos por Jeremoabo. Na porta de Umburanas encontraram uma cena assustadora. O cadáver do coronel Tamarindo e de dois soldados recepcionavam o exército empalados numa estaca. O ministro da Guerra, general Machado Bittencourt, foi enviado ao local para resolver pessoalmente a questão. Levava reforço de três mil homens recrutados em todo o país para liquidar os "monarquistas". Euclides da Cunha chegou em Canudos em 16 de setembro. Era o final da luta, mas ele ainda pode sentir todo o seu barbarismo.
Os poucos prisioneiros homens eram degolados, depois de se exigir deles, inutilmente, um "Viva a República". As águas do Vaza-Barris em pouco tempo eram uma lagoa de sangue. Pilhas de cadáveres serviam de trincheiras aos sertanejos. Os soldados incendiavam casas onde estavam velhos e crianças. E na mente do horrorizado Euclides crescia uma idéia: denunciar a barbárie e provar que Canudos não era um problema político, era uma questão social.
“Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até o esgotamento (...) quando caíram seus últimos defensores, quando todos morreram. Eram apenas quatro: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados. (...)”
Em 1902, numa choupana à beira do rio Pardo, em São José do Rio Pardo, Euclides da Cunha terminou seu livro, contando a verdadeira história sobre o extermínio de Canudos: uma luta desigual e vergonhosa, em que o exército brasileiro se cobriu de infâmia. O inimigo invencível afinal de contas não passava de gente sofrida das secas. Mulheres, velhos e crianças que resistiram até o fim, numa luta inglória. Negros e índios e mulatos que buscavam criar um espaço em que pudessem ser admitidos como integrantes da nação
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